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Nos encontraremos como país quando reconhecermos nossas raízes negras e indígenas

Nesse 7 de setembro, proponho uma revisitação de nosso passado




Às margens do Riacho do Ipiranga, no ano de 1822, gritou o Imperador D.Pedro I em nome da Independência do Brasil, sugerindo uma independência da metrópole em relação à sua colônia, Portugal. Mas será que esta verdadeira Independência brasileira aconteceu, de fato? Conseguimos emancipar o nosso pensamento, descolonizar nossas mentes e corações?


Para tentar responder a essa pergunta, eu proponho uma revisitação do nosso passado, começando pelo chamado “descobrimento do Brasil”.


Muito contestado hoje pelos críticos e pensadores, a nossa educação formal nos apresentou um cenário dito como certo a respeito do descobrimento do país, realizado no ano de 1500 por Dom Pedro Álvares Cabral, como se antes nada existisse por aqui, numa perspectiva e narrativa completamente dada por Portugal e países europeus.


Ora? Não existiam moradores no Brasil antes disso? O Brasil já não havia sido descoberto?

Bem, após a proclamação deste dito “descobrimento”, teve início um completo genocídio dos povos originários, não apenas de sua cultura e forma de existir, junto com a imposição do cristianismo como única forma de cultivar a religião, mas também uma violência realizada de diversas maneiras, por via de estupro, de manipulação com as “trocas” muitas vezes desiguais, junto com uma cruel exploração das riquezas naturais, o que perdura até os dias de hoje, pois ainda continuamos sendo grande parte exportadores de commodities e compradores de produtos de alto valor vindos do exterior. Uma desterritorialização completa dos povos indígenas foi realizada em nome do chamado progresso, aliada a uma grande destruição da floresta que não para de cessar.


Não sendo suficiente, o pensamento do “descobridor” não se conformou em apenas escravizar e matar indígenas, mas precisava da força braçal de outros povos no seu entender inferiores, “animais”, dando início ao tráfico de negros africanos e a escravização forçada e a mais duradoura que se tem notícia, numa vergonha histórica que não cumprimos justiça até os dias de hoje e que trouxe consequências devastadoras para as gerações filhas destes povos cruelmente violentados, mesmo após a dita “abolição da escravidão”.


No meu entender, o Brasil começará a se libertar verdadeiramente e tornar-se independente quando compreender e fazer as pazes com a sua história, reconhecer as suas raízes, e entrar em contato com as suas sombras, que não são poucas. Como já disse em algumas ocasiões o intelectual indigena Ailton Krenak, “a nossa história geralmente é uma verdadeira vergonha”. Pode ser que essa vergonha não seja uma exclusividade brasileira, de fato. Mas é preciso que a gente reflita sobre as nossas vergonhas para nos tornarmos independentes e fazermos as pazes com o lado podre.


Complexo vira-lata de Nelson Rodrigues

No ano de 1950, Nelson Rodrigues cunhou o clássico termo “complexo de vira-lata” e começou a chamar a nossa atenção para representar o forte sentimento de inferioridade que incide sobre o povo brasileiro em relação a outros povos, sobretudo aqueles chamados de “Primeiro Mundo”. A expressão apareceu na ocasião em que a Seleção Brasileira foi derrotada pela Seleção Uruguaia de Futebol na final da Copa do Mundo em pleno Maracanã.


Outros intelectuais como Sérgio Buarque de Holanda, Roberto DaMatta e Fernando Henrique Cardoso reforçaram a expressão dessa nossa auto-imagem estereotipada e negativa, muito inferior a outros países.


Um processo psicanalítico pessoal diz que precisamos rever o nosso passado para compreender nosso comportamento e quem sabe mudar nosso futuro.


O Brasil precisa de um processo auto-analítico urgente. Ora, o porquê buscamos tanto fora no lugar de também valorizarmos o que temos aqui?


No universo cultural, o quanto ainda temos que caminhar. Reconhecemos o samba, mas muitos de nós ainda o colocamos em patamar inferior ao jazz, por exemplo. Existe uma hierarquia de saberes em vários campos de atuação.


Vou falar da construção civil, ou melhor, do universo da habitação. Agora, um setor começa a falar sobre bioconstrução. Se mergulharmos no estilo de habitação de se fazer casa oriunda do conhecimento indígena, que também se misturou com outros saberes, iremos aprender o estilo pau-a-pique, feito de barro e dentro de uma cultura coletiva de se construir, com base na comunhão. E ainda, completamente sustentável e feito com elementos da natureza, e, melhor de baixo custo.


Alias, se na Europa e nos Estados Unidos se fala em green life, vamos perguntar aos nossos povos indígenas o que eles têm a nos ensinar? São os deuses do conhecimento do que é ser verdadeiramente sustentável e dar valor à natureza.


E, falando de medicina natural? Os sábios estão bem aqui. São os reis da compreensão das ervas e da conhecida medicina alternativa, que o mundo começa a se despertar. Mas a que preço já a barganhamos e oferecemos ao mundo externo para depois nos vendermos mais “glamourizados? Com que custo? Acabar com as nossas florestas?


Não quero dizer aqui que ninguém é obrigado a amar o seu próprio país, mas pode ser interessante buscar a nossa identidade olhando para dentro, não apenas para fora.


A cultura negra, trazida pelos nossos pretos filhos da escravisão, está ai em todo o lugar.

No samba, no batuque, na música - E não dá para falar sobre música sem falar da cultura negra. Não dá para falar em comida sem falar da cultura negra.


Mas muitos de nós continuamos a olhar para o “Primeiro Mundo” como este vira-lata que tudo cede em nome de ser e parecer mais “americano, mais europeu”, e negamos, escondemos, o que é verdadeiramente nosso. Invisibilizamos e temos vergonha dessa riqueza como se fosse menor. Afinal, qual é a nossa identidade?


É preta, africana, é indígena, de muitas aldeias, é portuguesa, é europeia, é oriental.

Sem hierarquias.


Só iremos nos encontrar enquanto país e tornarmos independentes quando nos abraçarmos por inteiro, não apenas uma parte.


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