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Filmes “Elis" e "Neruda” deveriam ser debatidos nas escolas

Ainda dá pra compreender homens de meia-idade conservadores identificando-se com as falas de Bolsonaro exaltando a ditadura, mas, assistir jovens pedindo a volta dos militares é soco no estômago


Por Mariana Vilela


No domingo último, assisti a dois filmes que cruzaram o mesmo território sombrio: a ditadura em dois países da América Latina: Chile e Brasil, a partir do ângulo de dois artistas intensos e queridos nacionalmente: Pablo Neruda e Elis Regina.


Na Netflix, esta plataforma fácil que disponibiliza cinema a R$ 25,99 e que agora pesa no bolso neste país campeão da inflação, lá fui eu procurar alguma coisa interessante que pudesse alimentar coração e cérebro no último tempo do final de semana.


Pensei que assistir pela segunda vez o documentário da Elis Regina, interpretado pela atriz Andreia Horta, nunca seria demais: a cantora pimentinha é um soco de vida num Estado que flerta e casa com a morte. Além disso, foi uma mulher que transcendeu a qualquer apressado julgamento: profunda, inteira, entregue ao que acreditava, ousada, apesar das suas dificuldades emocionais.


O outro, estrelado por Gael García Bernal e Luis Gnecco, também conta uma história de um artista: “Neruda”, drama sobre um recorte de um tempo vivido pelo poeta chileno que fugia dos assombros militares no Chile, induvidavelmente o país que mais sofreu com a violência causada pelas ditaduras na América Latina.


Se o filme de Neruda mostra a resistência sem limites do poeta chileno que chegou ao extremo de suas forças para continuar escrevendo e sendo lido, com a ajuda do Partido Comunista que lhe garantia comunicação e rotas de fuga, fugas que até chegavam aos prazeres de bordéis - mas este é um assunto à parte, do outro lado, o documentário sobre a vida de Elis Regina também aborda o sofrimento de uma artista para manter sua liberdade de fala e de expressão - Elis, ao ser entrevistada em turnê na França, comparou os militares brasileiros a gorilas.


Retornando ao Brasil, foi intimidada e coagida, seguida e ameaçada - os militares, “queridinhos de algumas gentes ainda do Brasil” apavoraram e advertiram uma das cantoras mais amadas do Brasil a recear sobre a vida de seu filho, fruto da relação com Ronaldo Bôscoli.


O apavoramento deu certo: Elis Regina cantou para um evento de militares e foi obrigada a associar a sua imagem a quem menos ela queria se identificar. Este fato lhe rendeu uma charge do artista Henfil na Revista Isto É, que comparou a cantora a Hitler, afetando a imagem da autora para uma parte da população brasileira.


De toda forma, ambos filmes mostram a força da arte e da grandeza destes artistas que conseguiam tornar sua arte acima das coerções dos militares, pois não era conveniente para o Estado comprar a briga de grandes proporções com direito a comoção nacional e internacional com artistas de alto impacto na identidade emocional de seus povos. Privilégio que infelizmente não chegavam a todos os artistas - alguns foram exilados, outros, torturados, outros assassinados.


Filmes como estes deveriam ser estimulados na Escola, para todos os jovens, porque é impossível concebê-los exaltando a ditadura e chegando ao extremo de convocar o seu retorno como se fosse um momento próspero e memorável. Será que não compreenderam que os que lutaram contra a ditadura abriram caminhos para a liberdade de expressão que temos hoje, mesmo que possuam veladas restrições? Mas essas restrições não se comparam à institucionalização dessa coerção, a violência como norma de Estado, à banalização da morte, rememorando a frase da filósofa Hannah Arendt.


Tal anúncio e predileção escancarada ao governo ditatorial nunca pode ser compreendido vindo deste desgoverno atual, Bolsonaro, que nunca escondeu suas preferências ideológicas, mas compreender estas exaltações e afirmações na boca de jovens, “o futuro do país” que gozam de suas falas e de suas liberdades, seja nas rodas de família, seja em grupo de whats app, no perfil de suas redes sociais, na escola, nas ruas e na vida?


Seria um ato falho da nossa história, que não contou direito para eles que seus últimos antepassados padeceram em paus de araras … por exercer a sua liberdade cidadã?


Dicionário:


O Pau de Arara consiste em uma barra de ferro na qual o prisioneiro é pendurado e enrolado, de forma que a vara fique bloqueada entre a concha dos braços e a concha das pernas.[1] Em seguida, os tornozelos são amarrados com os pulsos.[1] A pessoa torturada é pendurada cerca de um metro acima do solo e fica nessa posição até que o sangue não circule mais, o corpo inche e pare de respirar.

"(...) O pau de arara consiste numa barra de ferro que é atravessada entre os punhos amarrados e a dobra do joelho, sendo o 'conjunto' colocado entre duas mesas, ficando o corpo do torturado pendurado a cerca de 20 ou 30 centímetros do solo. Este método quase nunca é utilizado isoladamente, seus 'complementos' normais são eletrochoques, a palmatória e o afogamento."[2]

"(...) que o pau de arara era uma estrutura metálica desmontável, (...) que era constituído de dois triângulos de tubo galvanizado em que um dos vértices possuía duas meias-luas em que eram apoiados e que, por sua vez, era introduzida debaixo de seus joelhos e entre as suas mãos que eram amarradas e levadas até os joelhos."[3]





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