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A força de Poli

Atualizado: 5 de fev.

Estava ansiosa para chegar no chamado “Caribe Amazônico”, região que recebeu o apelido por abrigar a mais bela praia de rios do mundo, no meio da Floresta Amazônica do Estado do Pará. O avião pousou em Santarém e estávamos a caminho da encantadora Alter-do-Chão, nome dado pelos colonizadores portugueses em homenagem à cidade do mesmo nome em seu país.



Ao chegar na pousada localizada no ponto mais alto de Alter, o que nos permitia uma bela vista do azul do Rio Tapajós, uma índia nos esperava, chamada “Poli”.


Cabelos negros e lisos até a cintura, tom de canela em sua pele. Os músculos delineavam seus braços, que expressavam muito trabalho em sua vida, com apenas 19 anos de idade.

Era somente ela, e era tudo ali. Gerente, faxineira, contadora. Cozinheira também, e secretária de Rômulo, o dono da pousada das pedras e cristais. Uma porção deles estavam espalhados na casa, ajudando a equilibrar as energias.

Poli tinha um filho. Cheguei a conhecer. Acho que era Paulo Eduardo, nome composto, tenho certeza que o primeiro nome era Paulo.

“Pobre Poli”, imaginei, em minha ingenuidade pré-concebida. Devia ser vítima de gravidez não desejada com apenas 15 anos de idade, com o fardo de criar um filho não planejado pela menina cheia de vida.


Mas ao conhecer um pouco mais a pequena nativa, percebi que a menina estava apenas em sua aparência. Estava diante de uma mulher. E foi com 15 anos que decidiu que era hora de ser mãe. “Quando tiver 30 anos, ele poderá me ajudar”, disse a índia.


Meu mundo, de certa maneira, virou de ponta-cabeça naquele momento. Como assim decidir ser mãe aos 15 anos? Enquanto nos achamos civilizadas e maduras, com tanto estudo e experiência nas capitais para escolhermos ser mãe aos 28, 30 ou no máximo 40 anos, tentando colocar tudo em seu devido lugar, aquela índia me deu um banho de força e percepção de futuro. Sim, a sua sabedoria lhe permitia saber o que estava reservado para seu futuro na Floresta Amazônica.


Era cedo e Poli ja estava lá, preparando o café. Era noite e ela se despedia. Enquanto trabalhava, a mãe cuidava de seu filho, em troca de uma parte do salário de Poli.

Pouco mais soube sobre a índia. Talvez fosse difícil me comparar a ela com quase o dobro de idade. Ou talvez fosse duro demais me colocar em seu lugar, indígena da floresta, “civilizada”, como ela mesma disse, com o olhar de tristeza que eu pude captar.


A tristeza de perder a identidade de índio. De perder sua língua, ter a sua cultura devastada e sua floresta expropriada, a sua casa, o seu lugar. Para ela sobrou a cultura do trabalho subserviente, quase 18 horas por dia, nada parecido com a ambiência natural da floresta.

Tentei ganhar um sorriso sincero da índia, de alegria, de vida, não muito consegui.A mim, sobrou captar aquela força indígena nas águas do Tapajós.


Busquei no fundo do Rio a vida em abundância. Mergulhei e fui banhada pela minha identidade, pelas minhas raízes, minha cultura nativa, o orgulho do meu país.


Fui atrás da coragem do indígena, encontrei o respeito pela floresta, a resistência em nome de sua tribo, sua casa, suas árvores, seu lugar. O olhar de quem desconfia, tem medo de quem se aproxima, mas prefere se entregar ao amor, à fraternidade e à convivência, que mal pode ter?

Busquei também a sensualidade de cabocla, atraente e instigante como os cheiros da floresta, o exótico aroma do cacau-selvagem, paladar de jambu com tucupi, que ativa a boca tanto quanto anestesia.

Mas o Tapajós é tranquilo, a andiroba alivia, o cheiro do pequiá me invade, e tantos cheiros do mato me inspiram. E o gosto amargo do açaí me devolve a energia. Pois sim, a luta continua.


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