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Música e política na América Latina, ligação profunda

É possível relacionar a expressão musical com a política da América Latina?


Martha Galdos Rivas. foto: Edgard Bazán

Para o pesquisador peruano Kamilo Riveros Vásquez, que estuda há 24 anos a cena de música alternativa independente de Lima e as violências políticas nos cancioneiros populares da América Latina, as duas forças – política e música – andam totalmente ligadas, de forma que um impulsiona a criação de outro. “O movimento social se inspira para a composição de músicas novas e as canções que já existem servem de motor para os movimentos sociais”, afirma o musicólogo.



Neste jogo de forças que se retroalimentam, se dá um contexto musical complexo e diverso na América Latina. No Chile, por exemplo, onde está o cenário que mais se destaca no que se refere ao engajamento da população como um todo, a ditadura de Pinochet serve como impulso na produção musical.

Inti-Ilimani, Quilapayún, Los prisioneros e Llapu são alguns destes grupos musicais que se difundem neste contexto de ditadura e violência social a partir dos anos 60, especialmente influenciados por Víctor Jara e Violeta Parra, músicos que fizeram história e entraram para o ensino escolar do país.

Dentre estas bandas, é bastante particular o caso do Inti-Ilimani, grupo que vai para o exílio na Europa e se enriquece musicalmente, na opinião do músico, pesquisador e colecionador de vinis Euclides Marques. “Apesar da dolorida experiência do exílio, musicalmente falando, o grupo Inti-Ilimani se aprimora e interage com outras linguagens, absorvendo outras formas de compasso além dos ritmos latinos e modernizando sua harmonias sem perder o lirismo e a identidade do grupo”, acredita Euclides.

Euclides Marques. Foto: Mariana Vilela.O pesquisador peruano Kamilo Riveros Vasquez concorda com Euclides sobre a produção musical chilena. “Trata-se do caso mais abrangente e que envolve a população como um todo, gerando uma lógica de consciência de política de estado”, diz.

Ele ainda cita o caso da Argentina, como a Mercedes Sosa que interpreta músicos cubanos como Sílvio Rodrigues, na canção La Maza, de forma que a mesma conversa com linguagens musicais oriundas da Argentina. “Si no creyera en la balanza, En la razón del equilibrio, Si no creyera en el delirio, Si no creyera en la esperanza”.

Muito diferente do caso do Peru, como conta Vasquez, um país que passou por uma violência repressiva de quase 20 anos com o Sendero Luminoso – movimento de luta armada de dissidentes do Partido Comunista Peruano – que custou em torno de 69 mil vidas no país. Assim, grupos de identidade andina passaram a ser identificados como possíveis terroristas, gerando uma onda de mortes. “Essa violência histórica durante todo este período custou a liberdade e ousadia na criação, desqualificando toda crítica”, afirma.

Ele acredita que com essa violência estrutural, não há espaço legítimo nas rádios para as críticas, que estão mais presentes na cena alternativa e não tocam nas rádios, como o rap cantado em quéchua, o punk, a música crioula, o funk e o ska reggae. “As músicas do mainstream estão mais preocupadas com o consumo de cerveja e as decepções amorosas”, salienta.

A cantora peruana Martha Galdos, que está morando no Brasil desde o início do ano, acredita que o Peru, tem sim, uma grande riqueza musical, porém com visibilidade e divulgação limitada. Ela cita algumas músicas tradicionais da costa do país, que questionaram a desigualdade social através de letras com carga poética como Índio, de Alicia Maguiña, e El Plebeyo, de Felipe Pinglo.

Ela acrescenta também manifestações do movimento negro por meio das canções de Vitoria e Nicomedes Santa Cruz. “Eu, como cantora, tenho escolhido nos últimos anos um estudo de várias canções tradicionais peruanas em releituras contemporâneas, algumas com sutis mensagens como Negra Presuntuosa ´que me está pisando los talones de la libertad´, do compositor Andrés Soto, e algumas canções de trabalho e trova da América Latina”.

Das compositoras atuais peruanas, ela cita Giovana Nuñez, em “La Lá”, que leva mensagens contra o machismo usando uma prosa peculiar, “com melodias delicadas”, conta.


Kamilo Riveros Vasquez. foto: Arquivo

Bolívia Entrando na realidade do país que acaba de passar por uma pressão interna com o exílio de Evo Morales, a avaliação de Vasquez é que na Bolívia existem duas realidades paralelas, parecidas com o caso do Peru, em sua visão. “Podemos analisar a questão da Bolívia em um contexto mais amplo, não apenas sua música mas a cultura como um todo”. Em sua pesquisa, os governos de esquerda fracassaram no sentido de permitir que as culturas andinas tenham sido evangelizadas como parte do processo de submissão política espanhola, enfraquecendo a população de identidade andina, toda a sua cultura e musicalidade. “De um lado, vejo que a Bolívia conta com um ativo Ministério da Cultura, e de outro, vejo o governo Anti-Evo que se aproveita e se reposiciona, gerando a opressão do ambiente cultural, das representações e dos símbolos das identidades humanas dos povos andinos”, destaca.

Brasil, isolado musicalmente

André Abujamra. Foto: Arquivo.

Para o músico André Abujamra, que transita pelo mundo com seu trabalho musical e produziu o mais recente álbum Omindá, um projeto audiovisual que contou com a participação de artistas de 13 países diferentes, incluindo músicos da Argentina e Uruguai, o Brasil é um país isolado musicalmente especialmente devido ao idioma, que dificulta qualquer relação.

“Lembro-me de uma banda muito famosa argentina que veio ao Brasil no Teatro Municipal quando eu tinha 13 anos de idade, os Les Luthiers, dos anos 60-70, e ninguém foi assistir”. Para ele, enquanto os países da Europa contam com ajuda mútua pelo bloco, assim como os países da Ásia, os países da América Latina mantém diálogo com exceção do Brasil, artisticamente falando.

Para a cantora peruana Martha Galdos, pode ser proposital que não tenhamos uma relação artística tão ligada. “Porque as canções em inglês chegam a todos os lugares? Acredito que não haja esforços suficientes entre os países da América Latina para que estes fenômenos de conexão sejam apresentados”.

Ela cita o músico Milton Nascimento, que conseguiu por algum momento unir a poesia musical com Mercedes Sosa entre a América Latina que fala espanhol e a América Latina que fala português, com divulgação inclusive pela TV Globo. “Poderíamos ter uma escuta interna mais apurada nesse sentido”, aponta a cantora, que segue no Brasil com o desafio de criar pontes com a música brasileira e dar novo vigor a esta frágil relação.


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