As políticas públicas para lidar com as drogas estão longe de atender a complexidade que envolve a questão, especialmente o uso do crack. Esta é a opinião do jornalista e escritor Edmundo Paschoal, que acaba de lançar seu novo livro. Pedras no Caminho – Relatos de dependentes químicos. A partir de uma experiência pessoal vivida no passado e de sua necessidade de manifestar a público o problema, o jornalista debruça na temática e aponta a grande desumanização e desinformação da sociedade para lidar com o assunto. Assim, o livro traz referências de políticas bem sucedidas no mundo e outras completamente inadequadas que só pioram o problema. Abaixo, entrevista com o escritor.
JornalistaHumanista - Qual foi sua motivação para escrever sobre dependência química?
Edmundo - A dependência química é uma realidade no Brasil. Entretanto, nós observamos que os veículos de comunicação no país não se aprofundam no tema para dar um embasamento pra sociedade.
A população é leiga quando ao assunto e não sabe lidar com o problema, principalmente quanto ao crack. A associação rápida que se faz é que a droga é totalmente ligada ao jovem de periferia, ao negro e aos moradores de rua. Neste livro, tento desmitificar essa ideia, pois o crack é, na realidade, usado tanto pelo jovem de classe média-alta quanto pelo morador de rua.
O livro é basicamente orientativo, a fim de contribuir com a maior conscientização e humanização do tema.
De que forma isso foi feito?
O livro é basicamente feito de histórias por meio de relatos de dependentes químicos para tentar entender o fenômeno que aconteceu na vida dessas pessoas para levá-la ao uso de droga. O objetivo é humanizar a história delas.
Ninguém nasce querendo tornar-se um dependente químico. Muitos deles passaram por uma situação que desencadeou seu uso. A pergunta a ser feita não é “O que de errado há com esta pessoa”? e sim “o que aconteceu na vida desta pessoa”?
Diante de suas pesquisas, como enxerga as ações em políticas públicas por nossos governantes?
A gente teve a nova lei de drogas e este livro foi muito motivado por isto - O projeto de lei endureceu a política nacional antidrogas e facilitou internações involuntárias, muitas delas ligadas a igrejas.
No entanto, existem comunidades e comunidades terapêuticas. As que eu peguei o relato são excelentes comunidades. Não são caras, são acessíveis.
Porém, com esta nova lei, eles deram liberdade para qualquer fundo de quintal tratar a dependência química como problema mental, e esta é uma preocupação. O interessante é reinserir a pessoa na sociedade e é o que o poder público vinha fazendo.
"Podemos citar o projeto “Braços abertos”, idealizado inclusive pelo meu psiquiatra Fabio Falconi, que trabalharam com a redução de danos e a reinserção na sociedade. Porém, o projeto foi dizimado, pois o governo achava que estavam tento custos absurdos. O retorno do projeto é enorme e eu coloco os resultados no livro".
Mas isto para o governo do Estado não funciona. Eles acham que fazendo o remanejamento de pessoas, o crack vai parar. Mas o crack não tem fim. A droga é muito antes da civilização moderna. Fica difícil ter o combate às drogas sem ter o conjunto de auxílios específicos. Eles estão mandando para clínica sem saber a real comodidade das pessoas.
Para uma grande parcela da população, a dependência química é vista como um defeito de caráter. Só que atrás deste defeito de caráter existe a OMS, que a taxa como uma doença mental, apresentando na realidade a questão como uma doença que precisa ser tratada com saúde pública.
Eu, como jornalista, venho tratando desta temática há muito tempo. O que não ajuda é tirar a questão da gestão da Saúde e dar o poder para o Estado.
Jornalista Humanista - Você disse que o crack não escolhe classe social
Edmundo Paschoal - Carl Segan foi fazer um levantamento da droga e disse que ela não escolhe sexo ou cor. Estes dados vêm ajudando a França, que tem uma grande Cracolândia que fica no subúrbio de Paris. Estas pessoas são assistidas diariamente por um programa integrado com reinserção na sociedade. 40% destes usuários que começaram a fazer o Programa conseguiram se manter abstêmios.
É preciso fazer tratamento humanizado, entender o que levou ela a fazer o uso desta substância. O ser humano é singular. Fica difícil tratar 50 pessoas com o mesmo tipo de tratamento.
Jornalista Humanista - E qual o perfil das pessoas que você entrevistou?
Eu montei uma pauta bem detalhada. Eu conversei com pessoas de fora do Brasil e aqui, como Daltinho Xavier, Reinaldo Laranjeira, Flávio Falconi e Marcia Guerra, especialistas da área. Após este primeiro contato com pessoas da área eu fui em clínicas terapêuticas para conversar com internos.
Passando desta fase das comunidades terapêuticas eu me desloquei pra rua. Eu fui na região da Cracolândia e também na Cracolândia da região de Guaianazes, e isso me deu um norte para fazer outros trabalhos.
Um perfil que me chamou muito a atenção é do Antônio Carlos. Ele é um senhor que já veio do interior para a cidade de São Paulo no intuito de ter uma vida melhor. Sofreu muito na sua infância.
O pai e mãe eram alcoólatras. O pai colocava ele para dormir fora de casa e batia nele todos os dias. Ele era obrigado a trabalhar forçado e dar o dinheiro que recebia vendendo frutos, legumes e verduras.
Ele cresceu com grave problema psicológicos, e no porto onde ele trabalhou, teve o primeiro caso com a droga. Tentou voltar a ser produtivo mas não conseguiu. Ele está há 20 anos na Cracolândia.
O mais interessante neste perfil é que ele fala com todas as palavras que ele não quer uma recuperação. Ele consegue conviver com o uso de crack. Ele consegue fazer as coisinhas dele e acha injusto um governante cercear a liberdade dele porque ele é usuário. E se você ver bem ele está correto. Ninguém tem o direito de cercear o ir e vir de uma pessoa. Isto está no artigo quinto da constituição. Então este perfil é bem detalhado. Ele consegue ter uma riqueza de detalhes e é muito lúcido no que ele fala.
Certo momento, ele estava com o cachimbo de crack e dando entrevista, mas a lucidez era impressionante.
Este é um caso que se trata com redução de danos, pois esta pessoa precisa conviver com o uso da droga. A redução de danos serve tanto para ajudar estas pessoas que estão no convívio da rua, marginalizadas, e também no convício da sociedade para com ela.
No entanto, é preciso trazer informações que o uso do crack é doentio. Ele te joga para margem da sociedade. O uso de crack traz diversos problemas mentais. É muito grande a incidência de pessoas com esquizofrenia e que sofrem de depressão porque não conseguem manter abstêmio. É uma química muito pesada, um subproduto da cocaína que age diretamente nos pulmões da pessoa e na parte cognitiva. Isso causa uma dependência muito grave.
Então fica muito difícil as pessoas se desvencilharem disso. A pessoa precisa de uma terapia assistida integrada.
Quer dizer que não há uma solução definitiva quanto ao uso do crack?
A guerra às drogas é uma guerra falida. A gente não pode tentar achar que é simples dar uma solução mágica a um problema que existe há anos e nunca foi resolvido.
Um exemplo disso é o prefeito Rudolph Giuliani de Nova York, que fez uma guerra contra as drogas conhecida como política Tolerância Zero, e todos aqueles que eles mataram, seus filhos hoje estão lá. Esses filhos sofreram com o trauma de perder um pai que estavam morando na rua e hoje os filhos retornaram para o mesmo local.
Os filhos são os novos usuários. É isso que a gente tem que tomar cuidado.
O crack está ligado à violência?
Sim, está ligado intrinsecamente com a violência porque ele fornece o financeiro para o tráfico indiretamente, quando o usuário pega um punhado de crack está financiando o tráfico. Mas maior violência é o grande traficante, e quem é estigmatizado são os pequenos.
O que este livro conta de sua experiência pessoal?
Eu precisava externar este problema e ainda tenho esta necessidade. Estou abstêmio há mais ou menos oito anos. Eu tenho que compreender que sou uma dependente. A dependência não sai da pessoa, ela continua intrínseca à pessoa. Existem ferramentas que se usa para se manter abstêmio e eu faço o uso da psicóloga, psiquiatra e dos Narcóticos Anônimos.
A questão do livro em si: o jornalismo me livrou de muita coisa e eu uso a ferramenta jornalística para externar com embasamento real o mínimo que a sociedade precisa para entender sobre o que é o crack e os problemas que ele causa.
O livro tirou um fardo muito difícil que é conviver com algo guardado dentro de você. A gente sente uma segregação, preconceitos. Eu sou amigo pessoal do comentarista Walter Casagrande, por exemplo. Eu converso com o ator Fabio Assunção, músico Rafael William – ex-Polegar, que sofreram grande exposição da mídia de forma extremamente preconceituosa.
O Casagrande me deu um grande aporte par fazer este meu livro. É o primeiro de muitos e eu já estou trabalhando no segundo.
Gostaria que as pessoas procurassem se aprofundar um pouco mais. A não tratar uma doença com discriminação e sim com amor, afeto e empatia.
O livro pode ser encomendado por meio das redes sociais do Edmundo e terá lançamento oficial em breve.
Facebook: https://www.facebook.com/edy.senador
Instagram: edy_jornalista
Capa do livro: A imagem da capa do livro foi elaborada em 1942, por um dos fundadores dos Narcóticos Anônimos, subsidiada em Los Angeles, que cederam o uso de imagem. A parte escura simboliza o vale da sombra da morte, que é o caminho que o dependente direciona-se sem saber pra onde esta rumando. Existe ainda a árvore seca que mata os sentimentos, e, caso a pessoa não se conscientize, pode levar à morte. “Ao mesmo tempo que é pesada e assustadora, é muito elucidativa”, diz o autor.
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