Texto e fotos: Mariana Vilela
Colaboração Gabriel Granja

Mais de 14 mil pessoas transitaram pelo Word Trade Center, região do Brooklin Novo, em São Paulo, do dia 17 ao dia 19 de março. Com debates sobre temas variados sobre inclusão, além de exposições e ativações, manifestações artísticas diversas e empreendedorismo, além da presença de personalidades como o Ministro do Direitos Humanos Silvio Almeida, os músicos MV Bill, Rincon Sapiência e Wilson Simoninha, o espaço no coração empreendedor de São Paulo recebeu overdose de potência que vem do lado de lá da ponte.
Cabelos trançados, moda afro, adornos e muitas, muitas cores. A estética é instrumento de revolução. Esta é a opinião e também ofício ao qual se dedica o estilista Abbé Tossa, proprietário da empresa Kuavi.
Oriundo de Benin, pequeno país localizado no Oeste da África e filho de uma família de comerciantes, a experiência de comprar tecidos e inovar já estava no sangue.

No Brasil desde 2012, Abbé Tossa mudou-se do Benin para o Brasil para estudar Ciências Biológicas na Unifesp. Estudou contabilidade, gerenciamento de projetos. Deu aulas de francês e inglês. E aí surgiu a moda. "Tudo foi fluindo, e estamos aqui hoje. É algo muito amplo. Ao mesmo tempo que dou aulas, também estou na moda", conta.
Abbé conta que a Kuavi tem como finalidade ir muito além do comércio de tecidos e roupas africanas. “A ideia é reconstruir a identidade do povo preto, se conectar com a ancestralidade das pessoas da África. Então as estampas africanas são mais do que beleza. É representatividade, é história, é cultura, é conexão”, conta.
Todos os tecidos são africanos, oriundos de países como Benin, Nigéria, Angola e outros países. Somente algumas peças mais complexas vêm prontas.

Campim Dourado é ancestral - Nem todos sabem que o capim dourado, matéria-prima de bijuterias e jóias estilizadas e comercializadas por muitos artesãos, possui toda uma história de resistência. Assim conta a empreendedora Claudia Cristina, dona da Ouros da Terra, também expositora da Expofavela. “O capim dourado é uma sempre-viva (nome popular dado a espécies de plantas que após colhidas e secas conseguem resistir consideravelmente ao tempo), bem conhecida no Brasil e tem essa cor quente, que remete ao ouro”.
Ela conta que quando as pessoas negras vieram para o Brasil, já tinham o hábito anterior de se adornar em ouro na Àfrica. “Mas como eles vieram na condição de escravizados, eles vêem aquelas plantações de capim dourado e começam a trançar e fazer essas biojóias, e assim passaram a usar as peças nas suas festas para se sentirem reis e rainhas novamente”, diz.
Alguns documentos históricos apontam que foi a etnia indígena Xerente quem primeiro dominou a técnica e repassou para os quilombolas da região do leste de Tocantins. Mas o que importa mesmo é que está confirmado que o capim dourado é ancestral.
A empresa Ouros da Terra não tem loja física, apenas loja virtual. As vendas acontecem via instagram e whatsapp. “Eu tenho o objetivo de trabalhar também para atender a população periférica, pois as pessoas desconhecem as biojóias e quando as encontram, se deparam com preços muito elevados para suas realidades”, conta Claudia.
As peças de Cláudia têm uma sofisticação e um preço acessível.

“A gente procura fazer peças fora do tradicional, pois nós merecemos e temos que dar continuidade neste tema do empoderamento”, afirma.
Ela acredita que a Expofavela é uma grande oportunidade, e gostaria que o empreendedor da favela tivesse mais espaços como este.
Aromas e sabores
Talento, ancestralidade e memórias afetivas. A criatividade e a necessidade fizeram com que Michelle Cruz pensasse na ideia de empreender durante a pandemia. Tudo começou com um pé de mexerica plantado no quintal da sua casa.
“Durante a pandemia, me lembrei que quando eu era criança, minha família fazia licor de mexerica. Então eu comecei a fazer novamente e mandei para os meus amigos. Com a casca, eu fiz a casquinha cristalizada. Eles amaram”. Assim nasceu a Menina Sabores.
Todos os licores são totalmente orgânicos, com reaproveitamento de alimentos e oriundos de agricultura familiar. Além do licor de mexerica, tem licores de chocolate, hortelã, maracujá e côco, além das geléias. A cachaça dos licores têm origem mineira, do alabique da família da Michelle. “Meu avô Genuíno tinha uma cachaça própria que chamava Cristalina e a gente aproveitou os instrumentos lá de Ubá. E a partir dessa cachaça do meu avô eu criei o licor chamado Genuína pra homenageá-lo", comemora.

Espiritualidade e ancestralidade
Bonecas-orixás, japamala e bruxinhas estilizadas. Nenhum produto das lojas do estande Tribos da Alma são desconectadas da fé e de temas curadores.
Eliana conta que começou a seguir a Beth Russo, uma influencer digital que mudou a vida dela através do mantra Ho´oponopono, uma prática havaiana antiga com vista à reconciliação. A partir daí, veio a ideia de produzir japamalas - colar ou terço de 108 contas. "A ideia é que a pessoa faça o mantra através das contas e que ela vá perdoando a si mesmo e aos outros. Normalmente começando por si mesma", diz.
Ela acrescente que, quando crianças, muitos de nós temos crenças limitantes, e ficamos com aqueles pensamentos que não iremos ter sucesso ou que iremos morar de aluguel a vida toda. Então os japamalas são uma forma de auxiliar no processo de cura.
Já as empreendedoras Elisete e Eizete trabalham com bonecas intuitivas, bonecas orixás e bonecas negras.
Eliz Feliz Bonecas - "Empoderamento das crianças negras que o mercado não têm", conta. "As minhas bonequinhas não têm boca, mas elas estâo sorrindo, então cada uma das crianças realizam estilizações" O destaque vai para a boneca bruxinha negra.
Já a Elisete, com s, da Tribos da Alma, é responsável pelas bonecas-orixás. " Eu faço a roupa com as lãs e o que sobrou eu comecei a fazer as bonecas. A princípio elas não tinham este formato de orixás. E, por intuição, eu comecei a pensar nelas", diz a empreendedora, acrescentando que se trata de um poderoso Instrumento de proteção.

Transformação pela educação
A empreendedora Cinthia da Silvia Santos Yamaguchi é bibliotecária e tinha como sonho tornar acessível os brinquedos educativos para a periferia. Daí nasceu a ideia da empresa Corujinha Brinquedos.
“Os brinquedos que a gente encontra em áreas nobres a gente trouxe (para a região do Grajaú) justamente com esta proposta. Trazer os brinquedos criativos, o brincar e aprender de forma lúdica”, afirma.
Ela conta que existe uma certa resistência inicial dos clientes por acharem que estes brinquedos não irão despertar interesse das crianças. Mas, a longo prazo, é o contrário disso. "São brinquedos interativos, que incluem a presença dos adultos e que têm durabilidade muito maior, pois ajudarão em diferentes fases da vida da criança". Há brinquedos terapêuticos, para pessoas atípicas e para adultos em situação de readaptação.


Serviço:
Tribos da Alma - @tribosdaalma
Eliz Feliz Bonecas - @elizfelizbonecas
Kuavi Moda Africana - @kuavi_africa
Corujinha Brinquedos - @corujinhabrinquedos
Ouros da Terra - @ourosdaterra


Como já é de praxe nos textos da Mariana, muito interessante o relato deste evento. Achei muito simbólico o fato de um evento com esta temática e público ter acontecido no WTC. Ou seja, é o contraste entre um espaço que simboliza privilégios de diversas ordens e toda uma comunidade que luta por representatividade e conquista de espaços.
Por fim, entendo também que tem muito trabalho por trás deste artigo, no sentido de entrevistar as pessoas pra descobrir e relatar todas estas histórias incríveis de empreendedorismo e repletas de significados. 😀😀