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Foto do escritorMariana Vilela

Artigo: Às vezes, o mal é bom

“Ás vezes, o mal é bom, e o bom é mal”. Esta frase de Pepe Mujica, ex-presidente do Uruguai, registrada no documentário sobre sua vida El Pepe, Uma Vida Suprema, me tocou. Foi através dos dez anos de profunda solidão em que ficou encarcerado como preso político que um dos presidentes mais conhecidos pela coerência entre o que era dito e o que era vivido em seus nove anos de governo, que Mujica diz ter mais aprendido na vida. “Com certeza eu seria mais imediatista, mais arrogante, mais deslumbrado pelo sucesso, tudo isso que não sou hoje”.


A avaliação de consciência em um difícil momento de introspecção também se deu com o Papa Francisco, quando, após a ditadura da Argentina, não foi cristão o suficiente e de acordo com os princípios os quais defendia e se viu ligado e condizente com a extrema violência dos torturadores e assassinos da ditadura argentina, o que levou a tortura e sequestro dos seus próprios colegas da Igreja, levando-o a uma batalha psicológica consigo mesmo que ele carrega até os dias de hoje.


Às vezes, o mal é bom, e assim a humanidade tem uma chance de aprender com esta introspecção forçada por um vírus que fez a humanidade parar em uma escala nunca vista anteriormente, e ganhar uma oportunidade em refazer e rever os seus valores por meio de uma reflexão sobre comportamentos que estão automatizados e incorporados como tratores capitalistas à maioria de nós ditos civilizados, em maior ou menor grau.


Papa Francisco mudou através das suas próprias experiências. Não se posicionar o suficiente trouxe dores que ativaram o despertar da sua consciência para uma mudança real, e por isso agora o mundo e a própria Igreja, até então enclausurada dentro de seus palacetes religiosos falando latim, percebeu a necessidade real desta transformação para não perder mais fiéis. 


Não à toa temos um Papa Francisco argentino ocupando o máximo lugar de líder da Igreja, um papa que se mostra sensível e consciente do que significa ocupar o seu lugar.



Em seu domingo de Páscoa e certamente após noites de conversa com Deus, na data em que a Igreja Católica celebra a ressurreição de Jesus Cristo, Papa Francisco propõe um cessar-fogo mundial e imediato para combater a epidemia do corona-vírus.


Não faz sentido. Temos ainda milhões de esforços aplicados em confecção de armas pelos países que ainda possuem a mentalidade das Primeiras e Segundas Guerras mundiais, voltados para aplicar suas economias para mostrar “quem é mais forte que quem”.


A epidemia do novo coronavírus mostrou que não escolhe nacionalidade, raça ou credo para dizimar vidas, apesar de afetar de forma diferente os mais vulneráveis e principalmente os governos que se mostram incapazes de lidar com a vida das pessoas e ainda preocupados em fazer política e ganhar as próximas eleições.


Papa fez um apelo para que a Europa se mostre solidária e adote soluções inovadoras para enfrentar essa crise sanitária inédita, propondo “reduzir” ou “anular” as dívidas dos países pobres. “Este não é o momento de continuar fabricando e traficando armas, gastando um capital enorme que deve ser usado para curar pessoas e salvar vidas”, disse o pontífice.


Ele defendeu “que as sanções internacionais que impedem os países afetados pela Covid-19 de prestar o apoio adequado aos seus cidadãos sejam liberados” dessas penalidades. Os Estados Unidos, por exemplo, se recusam a suspender as sanções econômicas impostas ao Irã, país fortemente afetado pela pandemia do coronavírus. Francisco pediu mais solidariedade internacional, lembrando que as dívidas pesam sobre os orçamentos dos países mais pobres.


Aqui mesmo no nosso território, temos o pensamento indígena, tão considerado pelo mundo civilizado inferior anteriormente, começando a ser escutado e ocupando o seu lugar na imprensa e nos espaços de pensamento, após tanto tempo em que os ignoramos e os hostilizamos.


“Se essa tragédia serve para alguma coisa é mostrar quem nós somos. É para nós refletirmos e prestar atenção ao sentido do que venha mesmo ser humano. E não sei se vamos sair dessa experiência da mesma maneira que entramos. Tomara que não”, fala do Ailton Krenak, líder indígena, ambientalista e escritorbrasileiro, que cada vez mais configura entre os pensamentos intelectuais atuais sobre o que pode ser essa nova forma de se relacionar com o planeta. Que a introspecção valha a todos o despertar para uma outra maneira de estar no mundo e de perceber para que estão servindo nossos valores e comportamentos tão esvaziados de sentido. Às vezes, o mal é bom, e que esta introspecção forçada possa refazer os significados de nossa existência.


Fontes:



El Pepe, uma vida suprema. Documentário.


Dois Papas. Documentário.

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